Desistência de passagem aérea
Por Daniel de Brito | 18/09/2023
Viajar é sempre uma atividade cativante e enriquecedora, que geralmente proporciona a exploração de novos ambientes, culturas, paisagens e experiências.
Na maioria das vezes, visamos alcançar o local desejado (destino) por um meio mais rápido e confortável, de maneira que, os voos (tanto nacionais como internacionais) são excelentes opções para quem gosta de “colocar o pé na estrada”. Quando compreendendo esse cenário, fica evidente que inúmeras pessoas utilizam as transportadoras aéreas diariamente, o que justifica relações jurídicas muito delicadas, volumosas e com diferentes fontes de Direito.
Nesse sentido, é sabido por todos que, quando planejamos uma viagem, diversas coisas desagradáveis podem acontecer, como falhas na prestação do serviço ou mesmo imprevistos diversos.
Assim, considerando o alto valor geralmente pago pelas passagens aéreas, esse tipo de cenário é de fácil frustração e costuma fugir do mero aborrecimento do cotidiano, principalmente quando a empresa de tráfego aéreo se nega a prestar auxílio às demandas do viajante.
Foi pensando nessa negativa recorrente de assistência ao cliente, que inúmeros julgados - de Tribunais em âmbito nacional - questionaram a aplicabilidade do artigo 11 da Resolução número 400/2016 da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) nos “voos domésticos”(dentro do Brasil) , que diz o seguinte:
Art. 11. O usuário poderá desistir da passagem aérea adquirida, sem qualquer ônus, desde que o faça no prazo de até 24 (vinte e quatro) horas, a contar do recebimento do seu comprovante.
Esse dispositivo da resolução abriu brecha para discussões, pois inúmeras companhias aéreas aplicam a norma acima para justificar o impedimento no reembolso integral das suas passagens. Elas exigem que a solicitação para restituição seja realizada 24 horas após o recebimento do comprovante de embarque. Além disso, algumas empresas ainda exigem que a compra tenha ocorrido ao menos 7 (sete) dias antes da data do voo.
Também, por vezes, as empresas de transporte aéreo estabelecem uma “política interna”, na qual cobram diferentes valores de uma mesma passagem (para um mesmo destino), com a intenção de dar acesso ao reembolso. Ou seja, o consumidor só recebe uma porcentagem do montante que desembolsou para pagar a passagem ou o todo se custear um percentual a mais.
Para exemplificar, vamos imaginar um voo de ida de São Paulo para Brasília, com a passagem de R$ 150,00 reais, algumas companhias cobram um adicional (que pode varias de trinta a trezentos reais) para possibilitar o reembolso. De modo que, utilizam os termos “passagem Light”, “passagem Plus” ou “passagem Top” e aumentam gradativamente a porcentagem do que pode ser reembolsado, elevando também o preço do serviço.
Nesse passo, é imprescindível destacar, que quando nos atentamos às disposições do Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/1990), percebemos que ele garante o prazo de desistência de 7 (sete) dias para “voos domésticos” (dentro do Brasil), quando a compra é feita fora do estabelecimento comercial. Veja-se:
Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.
Sendo assim, fica evidenciado que a administração de algumas transportadoras aéreas “passa por cima” da legislação federal que regula as relações entre consumidores e prestadores de serviços, de forma que, aplicam a resolução 400/2016 da ANAC sem a cautela de olhar para a Lei 8.078/1990 (CDC).
De mais a mais, a possibilidade de “escolha” (pagar mais para ter acesso ao direito de reembolso) adotada por algumas transportadoras, é ainda mais abusiva, visto que, não encontra fundamento nem na resolução da ANAC acima debatida nem no Código de Defesa do Consumidor.
Esse suposto conflito de normas levanta preocupações sobre a efetiva proteção dos direitos dos viajantes, pois, como visto, algumas companhias aplicam critérios restritivos que contrariam a proteção do consumidor. Para mais, vale destacar, que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, acerca do tema, tem entendimento no seguinte sentido:
Transporte Aéreo internacional de passageiros. Ação de indenização. Desistência da viagem. Comunicação à transportadora, com larga antecedência. Recusa à restituição do valor dos bilhetes. Argumentação de que se tratava de bilhetes "não-reembolsáveis". Inadmissibilidade. Conduta que coloca o consumidor em desvantagem exagerada. A Resolução nº 400 da ANAC prevê, em seu art. 11, que "O usuário poderá desistir da passagem aérea adquirida, sem qualquer ônus, desde que o faça no prazo de até 24 (vinte e quatro) horas, a contar do recebimento do seu comprovante". A interpretação daquele dispositivo, que melhor atende à boa-fé objetiva e ao Código de Defesa do Consumidor, é aquela segundo a qual, mesmo ultrapassado o prazo de 24 horas, o consumidor deverá ser ressarcido do valor da passagem aérea adquirida, caso dela desista; mas, por ter sido ultrapassado aquele prazo, a companhia aérea poderá dele exigir o pagamento de eventuais multas compensatórias, desde que pactuadas. Não é possível falar, assim, em retenção do valor integral, se decorrido o prazo de vinte e quatro horas, a contar da compra do bilhete. Além disso, no panorama fático descrito nos autos é flagrante a abusividade por parte da ré, ao infligir às consumidoras a perda da totalidade do que pagaram em relação às passagens, máxime porque o cancelamento foi comunicado com quase um mês de antecedência (27 dias, exatamente), de modo que a companhia aérea teve tempo hábil à recolocação dos assentos, até então reservados às autoras, à venda. Para evitar o reembolso, a ré deveria demonstrar que não conseguiu vender os assentos antes reservados às autoras, mas não há tal prova nos autos. Apelação provida.(TJ-SP - AC: 10024815620188260011 SP 1002481-56.2018.8.26.0011, Relator: Sandra Galhardo Esteves, Data de Julgamento: 07/03/2019, 12ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 07/03/2019). grifo nosso
Diante do exposto, a dinâmica entre os viajantes e as companhias aéreas traz à tona questões jurídicas complexas e nuances que afetam diretamente os direitos e expectativas dos consumidores. Sendo recomendado a promoção de reclamações, por parte do consumidor, pelos meios que a empresa disponibiliza (lembrando sempre de guardar provas e comprovantes da reclamação), e caso não disponibilize pelo site “Reclame aqui". No mais, vale citar uma Cartilha Informativa do Conselho Nacional de Justiça, que fala sobre transporte aéreo para os consumidores e prestadores de serviços, conscientizando sobre direitos e deveres.
Ademais, vale destacar, que o consumidor pode comparecer no Procon da região ou consumidor.gov, e dar entrada em uma reclamação formal. Pois, nesse processo de objeção às empresas de aviação, o cliente produz provas a seu favor, o que garante uma maior efetividade de um processo judicial. Sendo essencial para este caso, contratar um advogado, para acompanhar e promover a judicialização da questão (ajuizar uma ação em desfavor da transportadora aérea).
Em síntese, a busca por equilíbrio entre regulamentações setoriais e a proteção do consumidor continua sendo um desafio, com a necessidade de uma abordagem mais clara e alinhada entre os regulamentos de aviação e as garantias oferecidas pelo Código de Defesa do Consumidor. Somente através de uma análise mais aprofundada e uma maior conscientização dos direitos dos passageiros, será possível alcançar uma experiência de viagem verdadeiramente enriquecedora e livre de conflitos.